Querido amor,

Estou a escrever um projecto que fala de nós. É possível que seja mais um de muitos: mais uma das muitas ideias inacabadas ou sem um fim útil. Sem o teu aconchego, tento matar o nosso amor. Esta é a carta que nunca te escrevi, é o coração que rasteja pelo teu regresso, é o projecto que te faz maior - não fosse o nosso amor maior. Há uns meses, chorei ao ver uma peça de teatro: dois corpos desencontrados no meio de Lisboa; um delírio de cartas que um deles escrevera todos os dias que percorrera a cidade em busca do outro. Vale a pena falar-te dos outros? A cidade mudou, diziam eles, e há uma espécie de catastrófica alienação urbana que dificulta os sentidos na procura e na existência. Pois bem, meu amor, eu deixei de te procurar. A minha tormenta existência renega o teu amor, esta espécie de amor. Eu avisei-te. Alertei-te, também, quando guinchava de dor e desespero. Não era prazer, meu amor. Foste uma besta! Foi a primeira vez que chorei ao ver o fingimento acontecer mesmo à minha frente. Vê-nos, tu, agora. E chora, meu amor. Chora!

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Esta é a estória que alguém escreveu para estes dois corpos. Esta é a estória que alguém propõe a estes dois corpos. Esta não é uma recordação. Aqui vive-se a verdade do presente. Quiçá se preveja o desejo do futuro. Dois corpos deparam-se no mesmo espaço. Este não é um encontro, é uma casualidade. Não se sabe o que leva estes dois corpos a uma aproximação tão desmedida. Talvez o amor ou talvez a tesão, talvez a novidade e a experimentação. Talvez a necessidade, a carência, a vontade. Estes dois corpos experimentam-se, usam-se e magoam-se. Estes dois corpos são carne e ossos que se devoram e choram. Estes dois corpos amam-se e desistem.

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Dearest love,

I’m writing a project about us. It’s likely to be just one of many others: one more of those many unfinished ideas or lacking of a meaningful end. Without your warmth, I try to kill our love. This is the letter I never wrote to you, the heart crawling by your return, the project that magnifies you - if our love wasn’t that grand. Few months ago, I cried while watching a play: two sprawling bodies in the middle of Lisbon; a delirium of letters that one of them had written everyday whilst running through the city seeking for the other. Is it worth to tell you about the others?They said that the city has changed and there’s a kind of catastrophic urban madness that hinders the senses on our quest and existence. Well, my love, I stopped looking for you. My turbulent existence denies your love, this kind of love. I told you. I warned you, as well, when I was shrieking of sorrow and despair. It wasn’t pleasure, my love. You were such a beast! That was the first time that I cried while staring at this deception right in front of me. Watch us, now. And cry, my love. Cry!

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This is the story someone wrote for these two bodies. This is the story that someone proposes to these two bodies. This is not a souvenir. Here we live the truth of the present. Perhaps the desire for the future can be predicted. Two bodies face each other in the same space. This is not a meeting, it is a coincidence. It is not known what brings these two bodies into such an excessive proximity. Maybe love or maybe lust, maybe novelty and experimentation. Maybe the need, the lack, the desire. These two bodies experience each other, use each other and hurt each other. These two bodies are flesh and bones that devour each other and cry. These two bodies love each other and give up.

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