És vítima do teu próprio vento (não sei se insisto, sinto, disse isto). 

És observador de esquina no bosque dos teus esconderijos. 

És escárnio, desgraça do teu azul. 

Somos trezentas horas da tua bolha, da tua vida nas nossas bocas 

(não sei se finjo, sinto, penso isto). 

Dentro de caixas, somos tempo a mais embebidos no desgosto da nossa penitência. 

Somos cá fora (proxenetas, cuspimos, alcoviteiras, grunhimos) a poeira da nossa memória.

Sois a nossa testemunha, eterna companheira do (nosso) corpo: 

quanto tempo tem o corpo que existir para poder falar 

(o corpo que existe e que sente a realidade da existência) 

e se falar, quanto tempo teria que passar, para poder ficar? 

Não sabemos se fingimos ou sentimos.

Sois a nossa testemunha. 

Deambulamos, ficamos na eterna penitência das nossas esquinas. 

És observador da tua barriga, do teu corpo que não te deixa falar.

(Sou vítima do meu próprio invento).

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De que é feito o corpo e do que é capaz? Que bichos assombram a nossa consciência? Quem vive nessa bruta probidade? Que se deixa em detrimento da moral? O que se cumpre na estética do grotesco? De que punições somos merecedores? Como reagimos ao desconforto? Que palavras vociferamos e porquê? Que permissões são socialmente aceites, como distinguir quem cumpre a sanidade e quem sonha na loucura?  Que sente o observador, que silencia e possivelmente instiga?  Que traumas vivem nos corpos, que memórias escrutinam na bondade da raça humana? Buscamos o confronto com a nossa vontade de sentir, porquê? Do que somos capazes? Que outro-eu sou senão este corpo? Que caminhos percorremos na procura do tangível? Se neste processo, o amor surgir, abraçamos o duelo?

"EL CUERPO CONSUMIDO POR SU PROPIA NATURALEZA: OS ACTOS FINAIS"  é a última etapa de uma pesquisa artística, um objecto em contínua descoberta e aperfeiçoamento, que agora se propõe ganhar forma através de uma performance ao vivo, onde o corpo performativo habita em diferentes paisagens visuais e sonoras, criando uma mescla de acções que se expandem numa narrativa linear.

Grotowski dizia que a Performance é o Ritual, o cumprimento de uma acção, portanto um acontecimento; e o Performer um estado de existência. Que acontecimentos são estes, que acções coexistem nesta mesma ficção que é tanto (ou tão pouco) verosímil quanto o real? E quem é este guerreiro, o sonhador? Que consciências povoam nestes corpos pesados?

Este projecto nasce da vontade de nos debruçarmos sobre a motivação da (re)acção humana, as sensações primárias que despoletam essa vitalidade, e consequentes emoções e sentimentos. De que forma estes se associam às nossas memórias e se reflectem nos nossos comportamentos? Desta premissa, surge o ímpeto de repensar a intimidade, esse espaço cheio de potencialidade entre a realidade e a ficção. O lugar onde a verdade existe não somente pela presença de factores externos, mas principalmente pela relação entre o que nos é exterior e o íntimo, o nosso intelecto. ​

Propomo-nos construir um Ritual - o tal concerto de acções de Damásio, que se metamorfoseia, um experimento onde a intimidade é uma incubadora de emoções e sentimentos - que imerge nas nossas memórias, acreditando que essas se aproximam ou se permeiam no crível. Reformulando-as ou descontextualizando-as, intentamos a criação de outras personas, o outro-eu que somos nós mas que se afasta da nossa essência (ou pelo menos da ideia de que dela temos), o outro-eu-animal que rejubila e se fere numa outra esfera. Debruçamo-nos no poço do entendimento que temos de nós - na intimidade intelectual que é catalisadora de memórias e se deleita entre o choro e a paixão -, para que se dê origem à experimentação do homem, não para nos explicarmos ou obtermos conclusões mas sim para que possamos pensar a humanidade, esse animal capacitado da ética e do suicídio. 

Levamos o Ritual dos sacramentos na viagem das emoções e sentimentos, encontramos a fundamentação da nossa loucura no desvario de outrem. 

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Desde a Grécia Antiga, no Hedonismo, até à contemporaneidade, a dor e o prazer, estas duas sensações tão antagónicas têm sido objecto de estudo equiparado nas áreas humanísticas e científicas. Desde Pessoa a Freud, de Spinoza ou Bentham a Jung, a dor e o prazer são entendidas como as sensações que estimulam o ser humano, que inevitavelmente busca o prazer evitando a dor. 

Antes de nos focarmos nestas duas sensações, interessa-nos perceber o que são as sensações. Damásio distingue sensações de emoções e sentimentos. Explica-nos: as sensações são meras respostas físicas que ocorrem quando se detecta um estímulo, nada têm a ver com a mente e por isso não são exclusivas ao ser humano. As emoções são respostas de movimento a um estímulo que se sentiu, são cadeias de acções que são despoletadas pela mente mas acontecem no corpo. Os sentimentos são as experiências mentais que ocorrem no organismo, acontecem cá dentro e não são necessariamente visíveis a quem nos observa.

De Damásio, regressamos a Jung e aos seus arquétipos, mais precisamente a persona. A persona é aquilo que somos ou fingimos aos olhos dos outros, como os sentimentos que não são descortinados por quem nos observa, pela sua plasticidade e facilidade com que os intrujamos. Ora, se os sentimentos são passíveis de se camuflarem, o intelecto é então capaz de adquirir uma nova persona sempre e quando se encontra com o outro.

No “Livro do Desassossego" (assinado por Bernardo Soares), Fernando Pessoa escreve sobre alguns caminhos para se “ir buscar à dor o prazer, e passar em seguida a educar-se a sentir a dor falsamente, isto é, a ter ao sentir a dor, um prazer qualquer”. A permanência destas duas sensações ocorrem no sonhador, aquele que ao “sentir as coisas mínimas extraordinária — e desmedidamente” se deleita e sofre. Para o sonhador (o criador da acção, o que pulsa o excesso) há que “analisar a dor e habituar-se a entregar a dor”, “criar um outro Eu que seja o encarregado de sofrer” e “dar às angústias e aos sofrimentos (...) uma intensidade tão grande que pelo próprio excesso tragam o prazer do excesso”. O sonhador é portanto um estado de consciência que vive intensamente as suas acções, no cumprimento pelo prazer e dor, oscilando entre emoções e sentimentos, em diferentes tempos e espaços narrativos.

No Ritual encontramos os 7 sacramentos. Reinterpretados e reordenados no seu amplo espectro simbólico e etimológico, estes servem-nos como fio condutor da narrativa: a ordem, o matrimónio, o baptismo, o crisma, a eucaristia, a penitência e a unção dos enfermos ganham, aos nossos olhos, novas significâncias.

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You are a victim of your own wind (I don't know  if I insist, I feel, I said this). 

You are a corner watcher in the woods of your hiding places. 

You are scorn, disgrace of your blue. 

We are 300 hours from your bubble, of your life in our mouths 

(I don't know if I pretend, I feel, I think this). 

Inside of boxes, we are time too steeped in the sorrow of our penance.

We are out there (pimps, we spit, pimps, we grunt) the dust of our memory.

You are our witness, eternal companion of (our) body: 

How long does the body have to be able to speak

(the body that exists and that feels the reality of existence),

and if it talks, how much time would it has to spend before it can stay?

We don't know if we pretend or feel. 

You are our witness. 

We wander, we stay in the eternal penance of our corners. 

You are an observer of your centre, of your body that does not let you speak.

(I am a victim of my own invention).

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What is the body made of and what is it capable of? What animals haunt our conscience? Who lives in this brute probity? What is left to the detriment of morality? What is accomplished in the aesthetics of the grotesque? What punishments do we deserve? How do we react to discomfort? What words do we shout and why? What permissions are socially accepted, how to distinguish who complies with sanity and who dreams of madness? What does the observer feel, what silences and possibly instigates? What traumas live in bodies, what memories scrutinize the goodness of the human race? We seek confrontation with our desire to feel, why? What are we capable of? What other-me am I but this body? What paths do we take in the search for the tangible? If in this process, love arises, do we embrace the duel?

"EL CUERPO CONSUMIDO POR SU PROPIA NATURALEZA: OS ATOS FINAIS" is the last stage of an artistic research, an object in continuous discovery and improvement, which now proposes to take shape through a live performance, where the performing body inhabits different visual and sound landscapes, creating a mix of actions that expand into a linear narrative.

Grotowski said that Performance is the Ritual, the fulfillment of an action, therefore an event; and the Performer a state of existence. What events are these, what actions coexist in this same fiction that is as much (or as little) plausible as reality? And who is this warrior, the dreamer? What consciousnesses inhabit these heavy bodies?

This project was born from the desire to focus on the motivation of human (re)action, the primary sensations that trigger this vitality, and the consequent emotions and feelings. How are these associated with our memories and reflected in our behavior? From this premise arises the impetus to rethink intimacy, this space full of potential between reality and fiction. The place where truth exists not only due to the presence of external factors, but mainly due to the relationship between what is external to us and what is intimate, our intellect.

We propose to build a Ritual - the concert of Damásio's actions, which metamorphoses, an experiment where intimacy is an incubator of emotions and feelings - which immerses itself in our memories, believing that they come closer or permeate each other in the credible. By reformulating or decontextualizing them, we attempt to create other personas, the other-self that is us but that moves away from our essence (or at least from the idea that we have of it), the other-animal-self that rejoices and is hurt in another sphere. We lean into the well of understanding we have of ourselves - into the intellectual intimacy that is a catalyst for memories and delights between tears and passion -, so that the experimentation of man may arise, not to explain ourselves or obtain conclusions but rather so that we can think about humanity, this animal capable of ethics and suicide.

We take the Ritual of the sacraments on the journey of emotions and feelings, we find the foundation of our madness in the madness of others.

 

From Ancient Greece, in Hedonism, to contemporary times, pain and pleasure, these two antagonistic sensations, have been the object of equal study in the humanistic and scientific areas. From Pessoa to Freud, from Spinoza or Bentham to Jung, pain and pleasure are understood as the sensations that stimulate human beings, who inevitably seek pleasure while avoiding pain. Before we focus on these two sensations, we are interested in understanding what sensations are. Damásio distinguishes sensations from emotions and feelings. He explains to us: sensations are mere physical responses that occur when a stimulus is detected, they have nothing to do with the mind and therefore are not exclusive to human beings. Emotions are movement responses to a stimulus that has been felt, they are chains of actions that are triggered by the mind but happen in the body. Feelings are mental experiences that occur in the organism, they happen here inside and are not necessarily visible to those who observe us. From Damásio, we return to Jung and his archetypes, more precisely the persona. The persona is what we are or pretend to be in the eyes of others, like the feelings that are not revealed by those who observe us, due to their plasticity and the ease with which we intrude them. Now, if feelings are capable of camouflaging themselves, the intellect is then capable of acquiring a new persona whenever it encounters another. In the “Book of Disquiet” (authored by Bernardo Soares), Fernando Pessoa writes about some ways to “seek pleasure from pain, and then to educate oneself to feel pain falsely, that is, to have some kind of pleasure in feeling pain”. The permanence of these two sensations occurs in the dreamer, the one who, by “feeling the smallest things extraordinarily — and immeasurably” delights and suffers. For the dreamer (the creator of the action, the one who pulses the excess) it is necessary to “analyze the pain and get used to surrendering to it”.

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